O que é o Pacto
pela Vida e como deveria ser
Concebido no Governo de
Eduardo Campos (janeiro de 2007 a março de 2014), com o objetivo de reduzir as
violências, especialmente os crimes contra a vida, que beiravam índices
espantosos, ... o programa Pacto pela Vida alcançou resultados positivos
durante a gestão daquele governador em Pernambuco, chegando a diminuir em quase
40% o número de homicídios entre 2007 e 2013. Infelizmente, de 2014 para cá,
nos governos de João Lyra e Paulo Câmara, o Estado de Pernambuco regrediu seis
anos no combate à violência (isso no espaço de tempo de apenas 1 ano e 9
meses).
Na implantação do Projeto,
aconteceu ativa participação social para legitimá-lo. Durante a fase inicial,
foi aberto um amplo debate no seio da sociedade, como o Fórum Estadual de
Segurança Pública, realizado em 2007; mas, ao passar do tempo, houve
interrupção do diálogo entre governo e sociedade, que foi alijada do processo,
debilitando o Pacto pela Vida.
O papel repressivo foi
privilegiado em detrimento do papel da prevenção e a fatia do orçamento destinada
à prevenção ficou pequena, se comparada à verba designada para ações
repressivas. Assim, o Pacto provocou um encarceramento massivo sem preocupação
com a qualidade das prisões e com os aspectos estruturais do sistema
penitenciário, mantendo o gargalo do sistema prisional, sem melhorar a
estrutura física dos presídios e a gestão do sistema carcerário como um todo.
Sem a presença de Eduardo
Campos, a mudança de governo provocou a descontinuidade do Programa nos moldes
prezados por aquele governador que, demonstrando vontade política e engajamento
pessoal, mantinha a essência do Pacto e zelava pela sua execução, nos padrões
em que foi criado no início de seu governo. Como consequência, a média de
crimes violentos chegou a 11 por dia em 2015 – a pior, desde 2007 –,
apresentando uma curva ascendente estimada em 13,3% no número de mortes
violentas em relação a 2014, que, por sua vez, já registrava um aumento de 9,5%
dos homicídios em relação a 2013. Os assaltos a agências bancárias aumentaram
mais de 300%, e, aos ônibus, mais de 30%.
Também são fatores de
crescimento da violência naquele Estado a falta de atenção do governo para o
aumento do armamento ilegal e do tráfico de drogas, bem como a falta de
integração entre a Polícia Militar e a Polícia Civil para definir estratégias e
formas conjuntas de atuação e inteligência. Em Pernambuco, as delegacias estão
fechando por falta de efetivo. Quanto ao trabalho dos policiais militares, há
uma pressão por resultados que obriga os comandantes a colocarem nas ruas até
mesmo os militares doentes.
O Pacto pela Vida faliu em
Pernambuco. Entretanto, aqui, no Distrito Federal, o Governo importou o modelo
de gestão do Pacto lá praticado. Após criar o Programa Viva Brasília – Nosso
Pacto pela Vida, o GDF depara-se com dificuldades inerentes à sua implantação,
em relação à incorporação da sociedade civil organizada como protagonista do
processo gestor, ao desgaste das corporações policiais, às falhas na cadeia de
comando e na estrutura da governança da segurança pública, ao sucateamento de
ambas as polícias e ao sistema de videomonitoramento das ruas, que está com a
maioria das câmeras sem funcionar.
O Pacto pela Vida é uma
política pública de segurança que deve ser construída de forma pactuada com a
sociedade, em articulação permanente com o Poder Judiciário, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e a Câmara Legislativa. Ora, no Distrito Federal,
não houve, até agora, de fato, um pacto. Afinal, quando foi que o governo local
chamou a sociedade para uma audiência pública a fim de acordar uma política de
segurança a ser traçada em comum, com participação ativa da sociedade civil
organizada e da população para desenhar um projeto acordado entre todos para
que seja seguido pelo “Pacto”? Então, não há pacto, e sim imposição. Em
Pernambuco, pelo menos, houve um Fórum Estadual de Segurança Pública e uma
Conferência sobre Segurança em que acalorados debates com representantes
diretos da população formularam a proposta que o governador Eduardo Campos
comprometeu-se a seguir (mesmo não convocando a posteriori nenhuma outra
conferência – contrariando o projeto de realizá-las a cada três anos).
Desse modo, falta controle
social sobre o funcionamento do Pacto pela Vida na cidade. Os Conselhos
Comunitários de Segurança atuam de forma muito pontual, com os participantes
enunciando a narrativa episódica da violência experimentada na localidade em
que se inserem. Efetuam cobranças não-programáticas, cujas respostas são
eivadas de desculpas esfarrapadas das autoridades que colocam, no mais das
vezes, empecilhos para o atendimento das reivindicações da população. O
relacionamento dos CONSEGs com o sistema de segurança pública do Distrito
Federal continua sendo da mesma forma como atua há anos. Não houve a mínima
impactação positiva do programa Viva Brasília sobre eles.
A busca de resultados
imediatos por parte da cúpula do sistema acaba por reforçar uma concepção
policialesca de segurança pública, arriscando a governança a comprometer o
espírito com que o programa foi criado. Apesar de afirmar que as ações
preventivas são um fator determinante para que o projeto seja bem sucedido,
predomina na governança do Pacto uma concepção política de que a Segurança
Pública se restringe, praticamente, à repressão da polícia, quando se sabe que
ações policiais preventivas, baseadas no conceito de policiamento comunitário,
aproximam a policia da comunidade.
Falta transversalidade
operacional que incorpore participação e controle social. No âmbito social, o
Pacto deveria executar ações de prevenção social, voltadas para a população
vulnerável das áreas identificadas como críticas em termos de criminalidade, de
modo a reafirmar direitos e dar acesso a serviços públicos indispensáveis. Tal
atitude integraria as instituições de segurança pública com a comunidade local.
Assim como ocorre na Bahia,
poderiam ser criadas Bases Comunitárias de Segurança que, além do policiamento
ostensivo feito pela Polícia Militar, ofereceriam cursos de capacitação,
pré-vestibular e alfabetização para jovens e adultos, e realizariam ações de
saúde e de cadastramento no programa Bolsa Família. Também possuiriam
computadores conectados à Internet de banda larga para uso público e um projeto
de Esporte e Lazer com escolinhas para a prática esportiva. Também na Bahia,
existe um Mutirão Social no Pacto pela Vida que possibilita à comunidade
retirar documentos pessoais, solicitar ligação, religação, parcelamento e
cadastro da tarifa de energia elétrica, carteira de passe livre para
deficientes e orientação do PROCON sobre os direitos de consumidor. Na área
jurídica, oferece serviços da Defensoria Pública, reconhecimento de
paternidade, mediação de conflitos e 2ª via da certidão de nascimento. Ou seja,
Brasília ganharia com uma prática plural da segurança pública integrada com as
comunidades e os demais órgãos do Poder Público. Quando a população carente
recebe cidadania, desvia-se das violências e ajuda no combate à criminalidade.
Enfim, segurança pública não
é problema somente da polícia, mas de todos – afinal, ninguém entende mais de
ser assaltado do que o próprio cidadão que cotidianamente é vitimado pelas
violências. Contudo são latentes os obstáculos por parte da cultura institucional
de cada uma das corporações policiais, que têm disputa com relação a
monopólios, recursos e legitimidade profissional. Para o Ex-Secretário de
Segurança Pública, Arthur Trindade, a Polícia Militar não se submete à
autoridade civil, tem dificuldades para assumir seus erros e a população não
confia na Polícia.
Com relação às forças que
compõem a segurança pública, talvez as autoridades locais ainda não tenham
enxergado que o êxito do Pacto pela Vida passa pela valorização dos policiais e
pela consideração que o GDF tiver para com a situação crítica em que se
encontram ambas as polícias. Devido à falta de efetivo, a Polícia Civil não
consegue prestar um serviço à altura do que a sociedade espera, e o potencial
humano da instituição não tem sido devidamente valorizado. Por outro lado, o
Pacto Pela Vida ainda não avançou no sistema prisional do DF: de dentro da
cadeia, presos lideram o tráfico de drogas e há superlotação carcerária.
Na Capital da República, o
índice de crimes violentos letais intencionais é imenso. A quantidade de
homicídios apurados no ano de 2015 foi de 548 assassinatos. Isso significa
18,26 crimes letais para cada 100 mil habitantes, quando o padrão máximo
aceitável pela Organização Mundial de Saúde é de 10 assassinatos para cada 100
mil habitantes; portanto o Distrito Federal está 82,6% acima do padrão máximo
aceitável mundialmente.
A crise econômica e o
desemprego têm reflexos na criminalidade. Para tirar o DF dos aviltantes
índices de criminalidade em que se encontra, o nível de desemprego do Distrito
Federal tem de voltar, pelo menos, ao mesmo patamar de 2014 (11%). Hoje, a
cidade apresenta 15,4% de desempregados e possui mais de 235 mil trabalhadores
sem ocupação. A cidade tem de voltar a crescer economicamente, aumentando a produtividade.
Caso contrário, adeus Pacto
pela Vida!
Cruzeiro-DF, 28 de janeiro
de 2016
Por SALIN SIDDARTHA
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