quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Formação de policiais: 'Rituais de sofrimento' em treinamento alimentam violência policial, diz capitão da PM


Cadete em treinamento na Vila Cruzeiro, no Rio, em 2012: lógica do confronto se sobrepõe a valores como negociação e relação com comunidade, conclui estudo. 

Curso de formação de policiais no Maranhão em 2015: treinamento reforça ideal bélico e reproduz violência, avalia pesquisador e capitão da PM.

Privação de sono, pauladas, tarefas em salas impregnadas de gás lacrimogêneo e pimenta, almoço misturado com água e consumido com as mãos imundas de terra e pus, humilhação e assédio moral praticados por superiores.

As cenas, registradas em um curso recente de formação policial no Brasil, se repetem pelo país. Expõem ainda o predomínio, no treinamento das PMs, de uma "pedagogia do sofrimento" que acaba por alimentar a violência de seus agentes nas ruas. 

A conclusão é do capitão da PM da Paraíba Fábio França, que colheu relatos de participantes de um estágio de aperfeiçoamento realizado em agosto de 2014 em uma Polícia Militar do país – o Estado não é revelado na pesquisa porque os chefes da corporação pediram para "resguardar a imagem da instituição".

Mestre e doutor em sociologia, França especializou-se no estudo da formação dos profissionais de segurança pública no Brasil.

Com 35 anos de idade e 13 de PM, o capitão cunhou a expressão "pedagogia do sofrimento" para caracterizar o modelo de cunho militarista que, segundo ele, predomina na educação policial no país, baseado em valores como masculinidade, virilidade e exaltação ao combate bélico.

Para ele, essa pedagogia está ligada a um "ethos (conjunto de costumes e hábitos) guerreiro", que legitima a "construção de uma vontade bélica de proteger a sociedade".

"A crença geral é que o treinamento baseado em violência psicológica, moral e até física é necessário para condicionar o corpo e a mente dos soldados para vencer o medo e o perigo e ter coragem para o embate no que seria uma guerra urbana", afirma França, que relaciona o fenômeno ao que aponta como "herança ditatorial" das PMs brasileiras.

'Se não aguentar, corra'

Em conjunto com a colega de PM Janaína Gomes, o capitão reuniu depoimentos de participantes de um curso de formação de um pelotão especial de patrulhamento em motos.

Para os autores, que publicaram os resultados do estudo na última edição da revista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os rituais do treinamento reforçam a "pedagogia do sofrimento" em detrimento de valores como comunicação, solução de problemas e relação com a comunidade.

"Na obtenção de um 'brevê de virilidade militar', é necessário um aprendizado voltado para o sofrimento físico e para as dores morais", escrevem os policiais e especialistas em segurança.

Nesse contexto, aponta França, mulheres que apostam na carreira policial acabam obrigadas a "introjetar o papel dominador da maioria masculina" para conseguir espaço em um "universo marcado pelo preconceito" de gênero e contra homossexuais.

Uma aluna do curso, por exemplo, relatou como os participantes eram molhados com água gelada durante a madrugada, entre outras privações.

"Além de banho de água gelada na madrugada teve também gás. Eles colocaram a gente dentro de uma sala, mandaram a gente tirar a camisa, colocar a camisa no olho, gasaram (lançaram gás lacrimogêneo ou de pimenta) a sala e desmontaram a pistola para a gente montar, e só saía da sala quem conseguisse montar a pistola", afirmou a militar aos pesquisadores.

Outro participante reclamou de uma situação em que a saúde dos alunos foi, segundo ele, colocada em risco.

"No horário de almoço da gente, pegaram as quentinhas e jogaram dentro de um isopor sujo. Aí botou (sic) a gente pra comer com a mão, a mão suja do dia todinho pegando na moto, pagando flexão, com a mão suja cheia de pus, tinha muita gente com a mão inflamada. A gente parecia um bando de animais", disse.

Reprodução da violência

Os relatos colhidos pelos pesquisadores militares da Paraíba reforçam os resultados de uma pesquisa recente com 21 mil policiais no Brasil, que mostrou que 30% deles já tinham sofrido abusos físicos ou morais dentro de suas próprias instituições.

Segundo o levantamento de 2014, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Fundação Getúlio Vargas e Secretaria Nacional de Segurança Pública, 28% dos policiais ouvidos afirmaram ter sido "vítima de tortura em treinamento ou fora dele" e 60% narraram situações de desrespeito ou humilhação por superiores hierárquicos.

Treinamento na PM do Maranhão: mulheres que apostam na carreira policial acabam obrigadas a "introjetar o papel dominador da maioria masculina", diz capitão da PM da PB
Para França, esse tipo de formação acaba motivando um efeito dominó, em que as vítimas passam a naturalizar e transmitir a violência adiante.

"Os alunos interiorizam as regras morais e vão exteriorizá-las no cidadão comum, que é o 'paisano', o 'civil', uma categoria diferente. Você sempre irá buscar uma válvula de escape para a ordem, a coerção moral", afirma o capitão.

A pesquisa registrou pelo menos um caso de violência física contra alunos, em que instrutores aproveitavam a superioridade hierárquica e a ausência do coordenador do curso para "resolver (problemas com) desafetos".

"Um instrutor que estava querendo 'tirar' um aluno que não foi com a cara pegou um pedaço de pau dentro da mata. (...) Aí ele pegou e bateu num aluno que quebrou o pedaço de pau, que o pedaço de pau voou longe na perna do dez (aluno), aí o dez deu um suspiro forte e caiu no chão do meu lado", relatou um participante.

Visão da polícia

Para o comandante do centro de educação da Polícia Militar da Paraíba, coronel Carlos Alexandre Sobreira, a formação "tem que ser dura e levar às vezes a extremos" para que o policial vivencie situações que encontrará nas ruas, mas não deve propor o "sofrimento pelo sofrimento".

Ele diz acreditar que as polícias no Brasil ainda estejam em processo de transição democrática, e reconhece que um policial desrespeitado na formação tenderá a reproduzir esse comportamento nas ruas.

"Por isso temos buscado uma metodologia de ensino voltada para humanismo, respeito e dignidade do cidadão", afirmou Sobreira, citando ênfase em temas de direitos humanos e policiamento comunitário. "O policial tem que tratar bem o cidadão, conhecer bem os problemas sociais e não ser alguém que traga mais transtornos."

No treinamento, contudo, diz o comandante, é preciso encontrar um equilíbrio. "Não podemos florear, é preciso trazer o máximo de realidade possível para a formação."

Mudança social

Os autores da pesquisa concluem que as narrativas dos alunos expõem a resistência das instituições policiais às mudanças – algo que, segundo ele, as PMs precisarão superar para não perderem ainda mais confiança na sociedade.


"Mesmo que exista a crença policial militar de que esse tipo de pedagogia seja necessária para fazer o PM crer que o curso o habilita e o fortalece para as situações encontradas nas ruas, as experiências escolares com os PMs mostram a falta de preparo profissional dos instrutores que enaltecem o sofrimento e desconhecem a lógica de poder e dominação presente nas ações desencadeadas por eles mesmos", afirmam.


Tropa de choque da PM em ação em protesto em Niterói (RJ) em 2013: para pesquisador, sofrimento em cursos é exteriorizado por policiais nas ruas

França, que atua como professor de Criminologia no Centro de Educação da PM da Paraíba, diz acreditar que exista uma nova geração de policiais ingressando nas instituições, com maior bagagem cultural e educacional, e que pode tornar as polícias mais permeáveis a críticas.

"Há integrantes de PMs, por exemplo, que não aceitam as críticas que faço. Mas não há como as PMs voltarem atrás, elas têm que se adequar à realidade democrática do país."

POR THIAGO GUIMARÃES - DA BBC BRASIL EM LONDRES 

6 comentários:

  1. A PRESIDENTE DILMA DEU UMA ENTREVISTA À POUCO NO G1 ONDE DISSE QUE A POPULAÇÃO BRASILEIRA TERÁ QUE LIDAR COM A REFORMA DA PREVIDÊNCIA, POIS É ALGO INEVITÁVEL.

    VAMU, VAMU, VAMU.... ANTES QUE NÃO DÊ TEMPO.

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  2. Ser militar se for praça é: tomar no rabo e arriscar a vida nessa carreira estática e injusta.

    Pro oficialato ser militar é: usar o militarismo como escudo pra se eximir do trabalho, sombra e ar condicionado.

    Sistema porco e safado! O governo só irá ouvir as praças com a operação legalidade

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    1. Quando VC entrou era diferente? Vc entrou enganado? Iludido? Fala sério. Estudar VC não quer.

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    2. Estuda vc morador da satélite. Se acha o fodão mas o militarismo faliu. Seu serviço não faz a menor diferença pra sociedade

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  3. Bom dia!

    Para a PMDF Rollemberg não envia o Plano de Carreira dizendo que a LRF impede. Mas para a PCDF a conversa muda de figura. Ontem ele fez uma reunião na "calada" com a PCDF. Veja a resposta 👇



    "Diretoria reúne-se com Governador Rodrigo Rollemberg

    A diretoria do Sinpol-DF, representada pelo presidente Rodrigo Franco, pela vice Marcele Alcântara, o secretário geral Paulo Roberto Sousa e pelo diretor de Administração e Planejamento adjunto, Lidenberg Melo, esteve reunida com o governador Rodrigo Rollemberg na tarde desta quinta, 7, no Palácio do Buriti.

    O encontro foi articulado pelos deputados distritais Cláudio Abrantes (Rede) e Wasny de Roure (PT), que também estavam presentes. Na semana passada, a diretoria esteve com os dois distritais na terça, 29, e na quarta, 30, a fim de solicitar a eles o agendamento dessa reunião.

    O diretor-geral da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), Eric Seba, compareceu à reunião, acompanhado pela diretora do departamento de Gestão de Pessoas, Ivone Rosseto, e pelo diretor da divisão de Comunicação, Paulo Henrique Almeida.

    Na oportunidade, a diretoria voltou a apresentar a Rollemberg uma pauta de reivindicações com alguns itens. Dentre eles, o envio ao governo federal da mensagem que mantém a isonomia entre a PCDF e a Polícia Federal (PF).

    O atendimento a esse pleito – cobrado pela categoria durante a greve de 22 dias deflagrada em setembro passado - é urgente nesse momento porque o governo federal, por meio do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) está em processo de finalização das negociações com as carreiras típicas de estado.

    Rollemberg se comprometeu a contatar o Ministério do Planejamento até amanhã para verificar qual o prazo final das negociações e agendar uma reunião entre o Governo do DF, o MPOG e o Sinpol-DF para tratar da proposta de reajuste à categoria.

    O governador afirmou que vai reunir a equipe de governança para avaliar o impacto no orçamento. Rollemberg disse, ainda, ter “vontade política” para atender aos pleitos dos policiais civis do Distrito Federal.

    O Sinpol-DF cobrou ainda a regulamentação imediata da emenda à lei orgânica do DF n. 90/15, especificamente do item do Auxilio Moradia, além da atualização das atribuições e as nomeações dos 428 aprovados, entre outras reivindicações.

    O Sinpol/DF conclama a categoria a ficar alerta às suas convocações, uma vez que os policiais civis não poderão suportar mais um ano de perdas financeiras em razão da inflação. Caso prevaleça o alegado impedimento financeiro para o avanço das negociações, o ano que começa promete ser de grandes batalhas.

    Sinpol/DF - Juntos Somos Fortes"

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  4. CONTINUEM VIBRANDO!!!!!!!

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