A aplicação da Lei da Ficha
Limpa para casos anteriores a 2010 pode provocar a cassação do mandato de
centenas prefeitos, de pelo menos 20 prefeitos, além de deputados estaduais e
federais
Por maioria dos votos (6 x
5), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é válida a aplicação do prazo
de oito anos de inelegibilidade àqueles que foram condenados pela Justiça
Eleitoral, por abuso do poder econômico ou político, anteriormente à edição
da Lei Complementar (LC) 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). A possibilidade de
modulação dos efeitos da decisão da Corte e a fixação da tese para efeito de
repercussão geral devem ser analisadas na sessão desta quinta-feira (5).
Reconheceram a
constitucionalidade da aplicação retroativa do prazo de oito anos os ministros
Luiz Fux, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Dias Toffoli e a
presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia. Ficaram vencidos os ministros
Ricardo Lewandowski, relator, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio
e Celso de Mello.
Prejudicialidade
No início da sessão desta
quarta-feira (4), os ministros analisaram questão de ordem apresentada pelo
autor do recurso para que Recurso Extraordinário (RE) 929670, caso
paradigma da repercussão geral, fosse julgado prejudicado, tendo em vista a
perda de objeto do recurso em razão do fim de seu mandato. Os ministros
votaram pela prejudicialidade, porém, com base no artigo 998, parágrafo único,
do Código de Processo Civil (CPC), consideraram a possibilidade de
prosseguimento do julgamento quanto à tese discutida, uma vez que a matéria
teve repercussão geral reconhecida e atinge outros processos semelhantes.
O caso
O autor do recurso é um
vereador de Nova Soure (BA) que foi condenado, nos autos de representação
eleitoral, por abuso de poder econômico e compra de votos por fatos ocorridos
em 2004, e ficou inelegível por três anos. Nas eleições de 2008, concorreu e
foi eleito para mais um mandato na Câmara de Vereadores do município. Mas, no pleito
de 2012, seu registro foi indeferido porque a Lei da Ficha Limpa (que passou a
vigorar efetivamente naquele pleito) aumentou de três para oito anos o prazo de
inelegibilidade previsto no artigo 1º, inciso I, alínea “d”, da LC 64/1990.
A controvérsia jurídica
contida no recurso consistiu em saber se há ou não ofensa às garantias
constitucionais da coisa julgada e da irretroatividade da lei mais grave
(artigo 5º, XXXVI, Constituição Federal) nas hipóteses de aumento do prazo de
três para oito anos da inelegibilidade prevista no artigo 22, inciso XIV, da LC
64/1990, em razão da condenação por abuso do poder político ou poder econômico
por força do trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso).
Votos
Na sessão desta quarta-feira
(4), o ministro Gilmar Mendes reafirmou seu voto, ao acompanhar o relator,
ministro Ricardo Lewandowski. De acordo com Mendes, não se pode fazer
restrição, com efeito retroativo, a qualquer direito fundamental, como ocorreu
no caso dos autos. “O artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição
Federal, diz que os direitos fundamentais não estão à disposição e nós
entendemos que os direitos políticos são direitos fundamentais”, salientou.
O ministro Marco Aurélio
votou no mesmo sentido. Para ele, por melhor que seja a intenção, “não se pode
cogitar da retroação da Lei Complementar nº 135/2010”. O ministro avaliou que o
cuidado com os temas relacionados ao processo eleitoral – inelegibilidade ou
elegibilidade – foi tão grande que se inseriu na Constituição Federal de 1988
um preceito sobre anterioridade no artigo 16, segundo o qual a lei nova que
versa sobre processo eleitoral entra em vigor imediatamente, mas não se aplica
à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. “Portanto, é preciso
resguardar-se, e essa foi a intenção do legislador constituinte, a própria
segurança jurídica em termos de pleito eleitoral”, concluiu.
De igual modo votou o
ministro Celso de Mello, ao considerar que a inelegibilidade em questão
qualifica-se como sanção. Segundo ele, no direito constitucional brasileiro, a
eficácia retroativa das leis é sempre excepcional, portanto supõe a existência
de texto expresso e autorizativo de lei, jamais se presume, bem como não deve e
nem pode gerar, em hipótese alguma, lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito
adquirido e à coisa julgada. O ministro entendeu que, no caso, houve ofensa ao
inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, “que assegura a
incolumidade, a intangibilidade, a integridade do ato jurídico perfeito e que
obsta, por isso mesmo, qualquer conduta estatal – que provenha do Legislativo,
Judiciário ou Executivo – que provoque, mediante restrição normativa
superveniente, a desconstrução ou a modificação de situações jurídicas
definitivamente consolidadas”. O ministro salientou que a probidade
administrativa e a moralidade para o exercício do mandato representativo são
vetores que asseguram a moralidade e garantem a legitimidade das eleições.
A presidente da Corte,
ministra Cármen Lúcia, apresentou alguns pontos como fundamento de seu voto no
sentido de acompanhar a divergência. De acordo com ela, a matéria foi
expressamente analisada pelo Supremo no julgamento das Ações Declaratórias de
Constitucionalidade (ADC) 29 e 30, bem como na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4578. “Na minha compreensão, a matéria foi tratada
e sequer foram opostos embargos declaratórios”, disse, ao acrescentar que o
tema também foi “exaustivamente analisado no TSE”. Assim, a ministra considerou
aplicável a norma em questão.
EC/CR
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Fonte: STF
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