Ex-secretário nacional de
Segurança Luiz Eduardo Soares, que acaba de lançar novo livro, diz que o
atual modelo policial está ‘contratando a violência futura’ e que é
essencial ‘preservar a Lava Jato’
Antropólogo, cientista
político e escritor, Luiz Eduardo Soares reúne no seu mais recente livro os
assuntos que mais conhece: Rio de Janeiro, política e segurança pública. A
obra,Rio de Janeiro – Histórias de Vida e Morte, recém-lançada no Brasil, terá
versão em inglês e lançamento internacional em março na Inglaterra. É um relato
de histórias que desconstrói o clichê de “cidade maravilhosa”. Depois de atuar
na área de segurança pública nas esferas federal, estadual e municipal, Soares
diz nesta entrevista à repórter Marina Gama Cubas que entre seus próximos
objetivos está retomar os projetos da juventude – e o principal é dedicar-se
mais à literatura.
Mas a agitada convivência
com as ciências sociais e a antropologia não o deixam afastar-se, é claro, dos
temas ligados à sociedade – em especial, a segurança. Tanto que ele inclui,
entre suas missões, ampliar o debate sobre a PEC 51, que trata de mudanças na
estrutura do modelo policial brasileiro. “As UPPs estão em ruínas”, alerta. Ao
levar jovens pobres de periferia para a cadeia, “estamos contratando violência
futura” – pois ao sair eles estarão, aí sim, “prontos para a criminalidade”.
Uma de suas propostas: “Que não haja Polícia Militar” e que se adote “o ciclo
completo” – ou seja, policiais atuando “desde o patrulhamento à investigação”.
Dedicado, atualmente, à
tarefa de porta-voz da Rede Sustentabilidade, Soares avisa: não pretende mais
assumir cargos políticos. Mas continuará carregando a bandeira por uma profunda
reforma na segurança pública e para que a Lava Jato não seja obstruída. A
seguir, os principais trechos da entrevista.
Seu
novo livro trata de sua juventude, do regime militar, da experiência no PT, de
episódios que envolvem prefeitos, administradores e até traficantes. São todas
histórias reais ou há ficção?
A estrutura narrativa é
análoga à da ficção, mas não há ficção nas histórias. É claro que, para
viabilizar alguns relatos, tive que trocar nomes ou suprimir informações. Mas,
sempre que possível, tentei evitar isso.
O
que o levou a adotar essa estrutura, sem se aprofundar em análises, como tem
sido comum em sua obra?
O projeto do livro era
alcançar um público amplo, não acadêmico, e falar sobre a cidade de uma forma
mais original. E também atrair o público internacional. Meu desafio foi
inscrever na própria narrativa o elemento analítico.
Seria
uma tentativa de retorno aos seus primeiros projetos, quando optou por fazer
Literatura na graduação?
Explicitamente não sei, mas
inconscientemente sim. De um lado está o interesse por me comunicar com um
universo mais amplo de leitores, uma audiência internacional. Do outro, é uma
oportunidade de exercitar a narrativa, ainda que, nesse caso, com o compromisso
com o realismo. A ideia é mostrar o Rio de Janeiro por um mosaico que indique
aos leitores esferas diferentes da cidade. É, sobretudo, uma guerra contra o
clichê. Porque, é preciso vencer a ideia da “cidade maravilhosa”, que
circunscreve a experiência do Rio como se fosse uma blindagem contra uma
imersão um pouco mais crítica.
No
livro, você diz que as UPPs ajudariam a modernizar o tráfico de drogas. Por
quê?
Quando elas existiam e
funcionavam, poderiam ajudar a modernizar o tráfico porque impediriam o domínio
territorial por parte do tráfico armado. Assim, o tráfico teria que agir como
na maioria das partes do mundo: ao invés de controlar um território, formar um
exército, investir na coesão interna e no confronto bélico para manter o
domínio territorial, funcionaria no varejo nômade sem necessidade de uso de
armas e domínio territorial. As UPPs empurrariam o tráfico para uma posição
mais racional e isso teria indicações positivas até do ponto de vista da
segurança porque teríamos menos morte, menos armas, menos violência. O que
teríamos seria um comércio ilegal.
Por
que você se refere às UPPs no tempo passado?
Hoje elas estão em ruínas. É
um projeto fracassado porque as polícias continuam as mesmas e os resultados
são previsíveis, por mais bem intencionados que sejam.
Você
foi secretário nacional da Segurança Pública em 2003. O que nota de avanço e de
retrocesso na área desde então?
Houve experiências
importantes em Minas, em Pernambuco, no Rio. Mas elas continuam sendo exceções
e o que predomina no Brasil nessa área é a estagnação. Essas boas experiências
são sempre iniciativas contra a corrente, que procuram minimizar os malefícios
decorrentes do modelo policial vigente. A rotina ditada pela
institucionalidade, que aposta no sentido da divisão e do apartamento joga toda
as conquistas no ralo. E qual o nosso quadro atual na segurança? É trágico – 56
mil homicídios dolosos por ano, 8% investigados. Temos 92% de homicídios
impunes, não investigados. Mas mesmo com esses números não se deduz que o
Brasil é o país da impunidade. Esse é o pulo do gato para compreender o nosso
quadro na segurança pública.
Como
assim?
Por que não somos o país da
impunidade? Porque temos a quarta maior população penitenciária do mundo e a
que mais cresce nos últimos 13 anos – 640 mil presos em 2014. Mas os crimes
mais graves não são investigados. E o motivo é muito simples de compreender: a
Polícia Militar está proibida de investigar, mas está na rua e é instada a
apresentar resultados. E o que significa “produzir”, para a PM? Prender. Mas se
ela não pode investigar, como é que prende? Em flagrante. Só que os crimes
passíveis de prisão em flagrante nem sempre são os que deveriam ser
prioritários. Assim, a PM, para produzir, prende e prende em flagrante. Quem?
Jovens pretos e pobres das periferias, negociando substâncias ilícitas. Boa
parte deles não praticou violência, não estava armada, não estava ligada a
organizações criminosas, mas eles estão entupindo as prisões e se organizando
para retornar daqui quatro ou cinco anos – aí sim, envolvidos com a
criminalidade. Estamos contratando violência futura. Deixamos de investigar
crimes mais graves – como homicídio – porque o modelo constitucional define que
a polícia ostensiva é proibida de investigar.
Qual
a proposta alternativa?
A proposta é que não haja
Polícia Militar. Que haja a desmilitarização e o ciclo completo. Ou seja, toda
a polícia que houver cumprirá todas as atividades que pertencem à polícia, do
patrulhamento nas ruas à investigação. Hoje, a PM não tem autonomia dos seus
membros, não pode investigar, não está regida pela Justiça Civil e não tem as
condições para cumprir essa tarefa. Mas não podemos confundir ciclo completo
com unificação. A unificação é uma das formas da realização do ciclo completo.
A outra forma óbvia é a multiplicação da polícia como há em outros lugares do
mundo. Você pode organizá-la por dois critérios: ou por tipo criminal ou por
território. Entre os caminhos possíveis para o País, vejo esses. A unificação,
em alguns Estados, é insustentável.
Como
viu a atuação da polícia paulista frente às ocupações das escolas públicas por
estudantes?
A PM tem uma natureza
incompatível com a orientação para mediação do conflito. No caso recente,
transferiu-se para a polícia aquilo que é, basicamente, um erro de condução
política do governo. A atitude que o governador acabou tomando teria que estar
presente no próprio planejamento de toda a ação de reorganização escolar. O
diálogo teria que ter antecedido todo esse processo e tudo isso seria evitado.
Temos duas vezes o erro. O principal, que foi o da condução toda por parte do
governo e, depois, o erro da abordagem feita por essa polícia – jogada no
centro do problema quando ele já foi constituído pelo governo. São erros que se
acumulam.
Outro
erro recente da polícia foi a morte de cinco jovens no Rio atingidos dentro de
um carro com mais de cem tiros…
Eu não chamaria de erro.
Porque quando dizemos que é um erro perdemos de vista que isso é recorrente e
que isso se institucionalizou. Não porque os comandos desejem, mas porque virou
um comportamento padrão. Você pode falar em erro no caso do Jean Charles, o
brasileiro morto pela polícia de Londres em 2005. Quantos casos como esse
aconteceram na polícia londrina? Você conta nos dedos, ao longo de uma década –
foi um nítido desvio do padrão de funcionamento da instituição. Mas se, de 2003
a 2014, houve 10.699 mortes provocadas por ações policiais no Estado, e elas
correspondem a cerca de 16% dos homicídios, estamos falando de números
absurdos, que constituem um padrão. Se se observar recortes temporais mais
longos, há um padrão elevadíssimo. Há uma cumplicidade entre as diferentes
instituições e isso é muito mais grave.
Você
é um dos integrantes da Rede Sustentabilidade…
Sou porta-voz no Rio, a
gente não chama de presidente. Somos eu e a Ana Paula Abreu.
Você
não quer ser candidato?
Porta-voz, na Rede, é
proibido de se candidatar. É para não fazer desses cargos trampolins para
interesses pessoais.
Um
eventual cargo político na sua área não está descartado?
Não tenho nenhuma pretensão
de envolvimento político direto, senão na formação do partido. Estou envolvido
com os projetos dos meus livros e com a promoção do debate e da aprovação da
PEC 51.
Como
avalia a situação atual do País?
Estamos no fundo do poço,
mas a nossa democracia tem menos de 30 anos. Uma sociedade de baixa
escolaridade, que não tem a tradição do debate público inclusivo, cujas
instituições democráticas são recentes… É um processo de construção. Temos que
ter a perspectiva histórica. Pode não ser para a nossa geração, mas devemos continuar
apostando na viabilidade de democracia brasileira. Eu, que participei da luta
contra a ditadura, tendo a ter uma visão mais otimista. O pessoal da minha
geração, que participou da luta clandestina e viveu aquele horror, não tem uma
percepção do quadro atual tão obscura e depressiva, já vivemos situação que é
infinitamente pior. Quando falam hoje “o Brasil nunca viveu…”, a pessoa não tem
ideia do que foi a hiperinflação, que foi a ditadura, do que era censura. Não
vivenciaram isso no cotidiano. A sensação de desespero é capaz de aniquilar os
ânimos. Dos meus oito amigos de juventude, sete morreram tendo cinco deles
enlouquecido antes, por motivos da ditadura. Para quem viveu aquela época, o
processo de construção democrática por mais difícil que seja, é fundamental.
Que
tipo de saída imagina para a atual crise política?
Minha bandeira é preservar a
Lava Jato. Temos um momento de inflexão na história do Brasil. E qualquer
“acordão”, qualquer esforço no sentido de obstruir a Lava Jato e acabar com
esse processo deve ser combatido com toda a energia. Se há o caos e a crise,
por outro lado há a Lava Jato. Esse é um fato histórico e tem uma implicação
importante. Os pobres e os que conhecem a desigualdade nunca acreditaram na
Justiça e na ideia de igualdade porque isso nunca ocorreu no Brasil. A polícia
funciona para prender os pobres, os presídios para abrigá-los. É a marca da
nossa história. E, nesse momento, temos a iniciativa da Justiça e da Polícia
Federal que intervêm nas esferas do poder – algo inusitado e extraordinário.
Haverá uma cisão do País – antes e depois da Lava Jato. Esse momento é
decisivo. Preservar de todas as maneiras esse processo é a brecha, a pequena
escotilha que pode nos fazer ver um futuro diferente e mais promissor.
Quais
os seus projetos para 2016?
Para o próximo ano está
programado uma série documental, em parceria com Leandro Saraiva, a partir de
um livro meu – que também será lançado em 2016 – chamado O Brasil e Seu
Duplo. Nele, trato da História do Brasil em alguns aspectos relevantes –
escravidão, migração religiosa, a importância do tropicalismo e das
transformações culturais no anos 1960 e suas implicações democratizantes. O
livro é base para uma série de episódios documentais que vamos desenvolver ao
longo do ano. Também vou lançar o Rio Janeiro – Histórias de Vida e Morte na
Inglaterra. E existe um longa, em que sou corroteirista. Dele, só posso dizer
que é uma história de ficção que abordará questões relativas à ocupação da
Amazônia, à pluralidade religiosa brasileira e a suas implicações políticas.
SEM COMENTÁRIOS!
ResponderExcluirBom dia. Acho esse cidadão um fanfarrão, pois é só analisar seus números como secretário e porque foi dispensado da secretaria para saber que lendo dados ele é bom em achar solução mas quando dão a direção prática pra ele a incompetência fala alto
ResponderExcluirBom dia, Poliglota e amigos de farda.
ResponderExcluirVou sair do tema falado nesta edição e vou deixar um alerta pra todos nós policiais militares do Df.
O governo federal está enviando para o congresso projetos de lei com reajustes salariais de 10,8% em duas vezes e para os militares das forças armadas um reajuste de 27,9% em quatro parcelas.
Em 2013, nós entramos nesse bolo. Quem não lembra dos 15% em 3 parcelas? Agora é a mesma coisa.
Poliglota, gostaria de pedir sua ajuda para o senhor conversar com o dep. Fragra e pleitear o mesmo reajuste que os militares ou os servidores da união vão ter.
Isso não é difícil, basta ter interesse de alguém para incrporar a pmdf nesse bolo.
Qualquer um destes especialistas que vem com esta conversinha de que a polícia só prende preto e pobre, não conhece a atual realidade das prisões onde a imparcialidade é uma obrigação. Será que ele quer que a polícia faça vista grossa quando estes citado por ele? Com uma coisa tenho que concordar, que há impunidade para quem tem dinheiro neste país se bem que este especialista não menciona tal fato em sua entrevista; enfim salvo engano é um defensor da atual política comunista do PT e seus aliados. Sgt Davi Borges
ResponderExcluirEntendo que ele não reprovou os policiais militares por cumprirem a sua obrigação prendendo pequenos traficantes, ainda que sejam pretos e pobres, mas esclareceu que o sistema é vicioso, falho e precisa ser mudado urgentemente. Nisso eu CONCORDO PLENAMENTE!
ResponderExcluirSó concordo com a parte da desmilitarização.
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